ESCRITOS DE JOAQUIM SÍLVIO CALDAS

Escritor, cronista e apaixonado por Natal
RN

jsc-2@uol.com.br


terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Os “heróis” (uma vez mais) estão de volta


Na semana passada coincidentemente falei sobre as catástrofes que assolaram nosso país. Mal sabia que logo em seguia testemunharíamos pelo vídeo a tragédia dos haitianos, bem pior que a nossa.

Em meio a cenas dantescas, nossa principal rede de televisão edita mais uma vez o repulsivo programa Big Brothers (que um amigo meu traduz como big-bosta). Para completar o verdadeiro show de mediocridades, lá vem o tal do Pedro Miau (ou é Bial?) com sua célebre, estudada, surrada e mofada frase: “E aí vem nossos novos heróis!”.

Agora um dos novos “heróis” do Miau ostenta uma suástica, aquele simbolozinho que nos remete àquele outro herói, o tal do Hitler.

Enquanto isso nossa Nação lamenta a perda de 17 jovens militares que foram tragados em meio ao terremoto do Haiti, em missão que, senão heróica propriamente, era pelo menos uma missão humanitária, de ajuda àquele sofrido povo. Denominemos pelo menos de heróis anônimos, já que somente sua família e o Exército lamentarão as perdas.

De propósito deixei em destaque a tragédia que envolveu a família Arns. Aquela sim, a doutora Zilda Arns, que também faleceu vitimada pelo terrível terremoto em plena missão de paz, amor e caridade, poderia ser trazida às honras da pátria como verdadeira heroína. Estava em sua fecunda e persistente missão em defesa da criança. Estava ela numa igreja, onde acabara de proferir uma palestra sobre a Pastoral da Criança, quando foi tragada pelos desígnios de Deus, juntamente com mais sete padres.

Quem morre nas circunstâncias da doutora Zilda com certeza alcançará, mais cedo ou mais tarde, as honras dos altares cristãos.

Quanto a Pedro Miau e as marionetes que comanda, contentem-se mesmo com as vãs e passageiras glórias efêmeras que nada têm de globais.

Que a vida da doutora Zilda permaneça na memória de cristãos e não cristãos, para sempre, num país tão pródigo em valores invertidos, como está sendo o nosso.

Quanto aos nossos soldados, não morreram lutando, nem matando ninguém, mas ajudando os desvalidos daquele pobre país. Se não são considerados heróis por atos de bravura, pelo menos devem ser para sempre lembrados, dada a nobreza da missão a que serviam.

Os "herois" (mais uma vez), estão de volta

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Os caranguejos e as catástrofes


Na década de 1940 do século passado meu saudoso pai estava recebendo uma aula de Filosofia de um professor cujo nome não recordo quando, por volta das 22 horas adentra na sala de aula um caranguejo.

Moiçolas em pânico, os rapazes trataram de expulsar o animal servindo-se de uma vassoura, mas o professor interveio.

- Por favor, não maltratem o bichinho. Aqui, onde nós estamos, antigamente era um mangue. Portanto, ele está apenas tentando descobrir a antiga moradia, que nós humanos invadimos. Portanto, o invasor somos nós, não ele.

Lembrei-me dessa inocente história agora em razão das catástrofes que estão ocorrendo no nosso milênio em razão de deslizamentos de barreira, enchentes e outras “invasões” da natureza em nossa vida moderna.

Tais invasões tem destruído patrimônios e ceifado inocentes vidas humanas, como ocorreu recentemente em Angra dos Reis.

O caranguejo sergipano não passava de um aviso.

Recife da década de sessenta também foi vítima de duas poderosas enchentes do rio Capibaribe que, procurando seu leito natural, e não tendo como se expandir, invadiu ruas inteiras de casas que foram construídas em locais que a especulação imobiliária nascente tomou aos manguezais daquela cidade.

Aqui mesmo, na Natal dos nossos dias, tivemos há bem pouco a invasão de águas de uma lagoa na estrada da chamada Rota do Sol.

É a natureza cobrando de modo às vezes incruento os espaços que lhe são tomados em função de três fatores: falta de planejamento urbano; falta de fiscalização dos órgãos públicos ditos competentes; e finalmente, falta de educação do povo que entope galerias entupindo-as com lixos ou promovendo construções desordenadas.

Possuo entre os meus alfarrábios a carta que o índio Seatle remeteu ao presidente Franklin Pierce, dos Estados Unidos, no século XIX, a respeito de uma pretensa compra de terra aos índios, naqueles idos. Verdadeira e insubstituível aula de ecologia, capaz de nos ensinar com muita poesia e romantismo, mas com muita sabedoria, a relação que deve existir sempre entre o homem e a natureza. E mais: que o homem não é dono da terra e sim, pertence a ela, como de resto os outros animais.

Pelo tamanho avantajado do texto não dá para transcrevê-lo aqui, mas estarei à disposição de qualquer leitor que deseje conhecer tão bela e importante peça de ecologia. É só me solicitar através do meu e-mail que enviarei com prazer. Ou mesmo consultar meu blog www.escritosdejoaquimsilviocaldas.blogspot.com onde a transcrevo.

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

A alegria e a tristeza

A alegria e a tristeza


Autor: Sílvio Caldas (jsc-2@uol.com.br)

A meu ver, são como as duas faces de uma mesma moeda ou, como diria o compositor brasileiro, “O que dá pra rir dá pra chorar”.

Um amigo meu dizia que só bebia por dois motivos: tristeza ou alegria. Acho que também faz parte do espírito da coisa.

A tristeza pode ser crônica, um estado de espírito permanente, aí é a tristeza mórbida. Doença grave e que precisa ser tratada, não sei se por psicólogo ou por psiquiatra. Mas também pode ser coisa passageira, relativamente de pouca duração. Fato que ocorre e que nos incomoda profundamente, como por exemplo a perda de um ente querido, mas que com o tempo superamos, substituindo-a (a tristeza) pela sensação de saudade.

O outro lado da tristeza é a alegria. Ela pode ser falsa ou verdadeira. Tem pessoas que nos transmitem uma falsa alegria. É clássico o poema do palhaço, que, ao procurar um médico para ver se não morria de tristeza, o facultativo receitou-lhe visitar um circo que estava nas cercanias da cidade, cujo palhaço fazia morrer de rir. Porém...

- Doutor, esse palhaço sou eu.

Acho que o ideal nas pessoas é manter o bom humor, o que não é a mesma coisa da permanente e fantasiosa alegria. O bom humor acalma, nos faz refletir melhor diante dos problemas e nos permite manter um estado de alma compatível, conciliador e apaziguante.

Minha amiga Alberlita é um excelente exemplo de uma pessoa bem humorada. Tira de letra, como se diz no dito popular, qualquer situação. “Levanta, sacode a poeira e dá a volta por cima”, como diz o outro compositor. Ela é capaz de sorrir diante do fogo que está devorando a própria casa, já que de acordo com sua filosofia de vida, os problemas se resolvem e as dívidas se pagam... assim que se possa. Ela é capaz de pegar o celular, ligar para a irmã e dizer: fulana, minha casa está pegando fogo – ahahahah – ainda bem que eu não estou dentro dela. Até bom, que construo uma melhor ainda.

Pessoas com a índole de Alberlita são permanentemente felizes, uma vez que suportam a tristeza apenas pelo tempo estritamente necessário, ou como diria minha outra amiga Nevinha: a dor é do tamanho que a gente quer.

Nem sei porque nesse começo de ano estou falando dessas coisas, e quase ia me esquecendo de um novo clube que surgiu no final de 2009 em Natal: o Clube do Capão, idealizado pelo cronista Vicente Serejo, cuja presidência já foi requisitada pelo presidente do Clube do Galo, nosso Genibaldo Barros. Promessas de crescer para o ano a ponto de rivalizar com o próprio Galo. Tudo lá, em Lula Ladrão.

a alegria e a tristeza

sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

Momento ecológico

.
Abaixo, carta que o índio Seattle, cacique da tribo Duwamish, escreveu em 1855 para o então Presidente dos Estados Unidos, Franklin Pierce:


"O Grande Chefe de Washington mandou dizer que deseja comprar a nossa terra. O Grande Chefe assegurou-nos também de sua amizade e benevolência. Isto é gentil de sua parte, pois sabemos que ele não precisa da nossa amizade. Vamos, porém, pensar em sua oferta, pois sabemos que se não o fizermos, o homem branco virá com armas e tomará nossa terra. O Grande Chefe de Washington pode confiar no que o Chefe Seattle diz, com a mesma certeza com que nossos irmãos brancos podem confiar na alteração das estações do ano. Minha palavra é como as estrelas - elas nunca empalidecem. Como podes comprar ou vender o céu, o calor da terra? Tal idéia nos é estranha. Se não somos donos da pureza do ar ou do resplendor da água, como então podes comprá-los? Cada torrão desta terra é sagrado para meu povo. Cada folha reluzente de pinheiro, cada praia arenosa, cada clareira e inseto a zumbir são sagrados nas tradições e na consciência do meu povo. A seiva que circula nas árvores carrega consigo as recordações do homem vermelho. O homem branco esquece a sua terra natal, quando, depois de morto vai vagar por entre as estrelas. Os nossos mortos nunca esquecem esta formosa terra, pois ela é a mãe do homem vermelho. Somos parte da terra e ela é parte de nós. As flores perfumadas são nossas irmãs; o cervo, o cavalo, a grande águia - são nossos irmãos. As cristas rochosas, os sumos das campinas, o calor que emana do corpo de um mustang, o homem - todos pertencem à mesma família. Portanto quando o Grande Chefe de Washington manda dizer que deseja comprar nossa terra, ele exige muito de nós. O Grande Chefe manda dizer que irá reservar para nós um lugar em que possamos viver confortavelmente. Ele será nosso pai e nós seremos se us filhos. Portanto vamos considerar a tua oferta de comprar nossa terra. Mas não vai ser fácil, não. Porque esta terra é para nós sagrada.

Esta água brilhante que corre nos rios e regatos não é apenas água, mas sim o sangue de nossos ancestrais. Se te vendemos a terra, terás de te lembrar que ela é sagrada e terás de ensinar a teus filhos que é sagrada e que cada reflexo espectral na água límpida dos lagos conta os eventos e as recordações da vida de meu povo. O rumorejar da água é a voz do pai de meu pai. Os rios são irmãos, eles aplacam nossa sede. Os rios transportam nossas cargas e alimentam nossos filhos. Se te vendermos nossa terra, terás de te lembrar e ensinar a teus filhos que os rios são irmãos nossos e teus, e terás de dispensar aos rios a afabilidade que darias a um irmão. Sabemos que o homem branco não compreende o nosso modo de viver. Para ele um lote de terra é igual a outro, porque ele é um forasteiro que chega na calada da noite e tira da terra tudo o que necessita. A terra não é sua irmã, mais sim sua inimiga, e depois de a conquistar, ele vai embora. Deixa para trás os túmulos de seus antepassados e nem se importa. Arrebata a terra das mãos de seus filhos e não se importa. Ficam esquecidos a sepultura de seu pai e o direito de seus filhos à herança. Ele trata sua mãe - a terra, e seu irmão - o céu, como coisas que podem ser compradas, saqueadas, vendidas como ovelha ou miçanga cintilante.

Sua voracidade arruinará a terra, deixando para trás apenas um deserto: Não sei. Nossos modos diferem dos teus. A vista de tuas cidades causa tormento aos olhos do homem vermelho. Mas talvez isto seja assim por ser o homem vermelho um selvagem que de nada entende. Não há sequer um lugar calmo nas cidades do homem branco. Não há lugar onde se possa ouvir o desabrochar da folhagem na primavera ou o tinir das asas de um inseto. Mas talvez assim seja por ser eu um selvagem que nada compreende. O barulho parece insultar os ouvidos. E que vida é aquela se um homem não pode ouvir a voz solitária do curiango ou de noite, a conversa dos sapos em volta de um brejo? Sou um homem vermelho e nada compreendo. O índio prefere o suave sussurro do vento, purificado por uma chuva do meio-dia, ou rescendendo o pinheiro. O ar é precioso para o homem vermelho, porque todas as criaturas respiram em comum - os animais, as árvores, o homem. O homem branco parece não perceber o ar que respira. Como um moribundo em prolongada agonia, ele é insensível ao ar fétido. Mas se te vendermos nossa terra, terás de te lembrar que o ar é precioso para nós, que o ar reparte seu espírito com toda a vida que ele sustenta. O vento que deu ao nosso bisavô o seu primeiro sopro de vida, também recebe seu último suspiro. E se te vendermos a nossa terra, deverás mantê-la reservada, feita santuário, como um lugar em que o próprio homem branco possa ir saborear o vento, adoçado coma fragância das flores campestres.

Assim pois, vamos considerar tua oferta para comprar a nossa terra. Se decidirmos aceitar, farei uma condição: O homem branco deve tratar os animais desta terra como se fossem seus irmãos. Sou um selvagem e desconheço que possa ser de outro jeito. Tenho visto milhares de bisões apodrecendo na pradaria, abandonados pelo homem branco que os abatia a tiros disparados do trem em movimento. Sou um selvagem e não compreendo como um fumegante cavalo de ferro possa ser mais importante do que o bisão que nós, os índios, matamos apenas para o sustento de nossa vida. O que é o homem sem os animais? Se todos os animais acabassem, o homem morreria de uma grande solidão de espírito. Porque tudo quanto acontece aos animais logo acontece ao homem. Tudo está relacionado e ntre si. Deves ensinar a teus filhos que o chão debaixo de teus pés são as cinzas de nossos antepassados. Para que tenham respeito ao país, conta a teus filhos que a riqueza da terra são as vidas da parentela nossa. Ensina a teus filhos o que temos ensinado aos nossos: que a terra é nossa mãe. Tudo quanto fere a terra fere os filhos da terra. Se os homens cospem no chão, cospem sobre eles próprios. De uma coisa sabemos: a terra não pertence ao homem, é o homem que pertence à terra. Disto temos certeza. Todas as coisas estão interligadas, como o sangue que une uma família. Tudo está relacionado entre si. Tudo quanto agride a terra, agride os filhos da terra. Não foi o homem quem teceu a trama de vida: ele é meramente um fio da mesma. Tudo que ele fizer à trama, a si próprio fará".

quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

terça-feira, 5 de janeiro de 2010

O coronel Gumercindo


Acho que somente os do Recife do meu tempo relembram a figura. Coronel da polícia, morava no bairro do Cordeiro, na década de 50. Tinha fama de brabo, mas de fato era homem cordato, o que não dispensaria logicamente a coragem, quando necessária. Fui moleque de rua com seu único filho, de mesmo nome, que integrou o primeiro quadro de policiais militares da nova capital, nos idos de sessenta.

Lembrei-me do coronel por conta da pérola do procurador Kerubino Procópio, transcrita na Cena Urbana do cronista maior, no Jornal de Hoje de 26 de dezembro passado.

Quanto a peça de Kerubino, é de ser lida, relida e guardada de lembrança e de exemplo, não só pelo já tão reconhecido estilo literário, mas pela lição que encerra a respeito do momentoso e ao mesmo tempo antigo tema – a corrupção.

Em frente à casa do coronel Gumercindo residia um grande amigo meu, Walkmar que, estando com a vaga da garagem ocupada pelo carro da própria filha, foi dormir e estacionou o carro em frente ao portão, mesmo porque naquele tempo Recife era uma cidade pacata e ladrões de carro, nem pensar.

Para tristeza sua, no dia seguinte, ao tomar o automóvel para dirigir-se para o trabalho Walkmar encheu-se de tristeza. Seu carro, recentemente adquirido, sofrera uma batida justamente na porta do motorista e no pára-choque dianteiro. Não adiantava nem perguntar se alguém vira, pois ainda era cedo e a rua Gregório Júnior era àquela altura um deserto.

Conformado, deixou o carro para consertar na oficina do sargento Amaro (também da polícia), de quem era praticamente vizinho, pegou o bonde e foi para o trabalho.

À noitinha, ao regressar, logo bateu palmas à frente de sua casa o coronel Gumercindo.

Surpreso com a visita (pois mal se cumprimentavam), o coronel foi logo perguntando.

- Walkmar, soube que bateram no seu carrinho, é verdade?

- É verdade, coronel, e o pior é que isso deve ter acontecido pela madrugada, ninguém sabe, ninguém viu.

- Pois eu sei quem foi Walkmar.

- Sabe mesmo, coronel?

- Sei, sim, quem bateu fui eu. Apenas era muito cedo quando me acordei, ainda escuro e não vi que seu carro estava estacionado em frente ao portão. Quando dei marcha ré bati no seu carro. Não lhe acordei porque estava com muita pressa para chegar ao quartel, pois havia uma missão importante para cumprir. Mas aqui estou para lhe pedir desculpas, coloque o carro para consertar na oficina de sua preferência e mande a conta para eu pagar.

Muito agradecido pela honestidade do coronel Walkmar sentiu-se agora confortável, apesar da batida, não tanto pelo salvamente do prejuízo, mas pela atitude honesta do vizinho, pois se não houvera a confissão ninguém jamais descobriria o autor do acidente.

Kerubino, dedico a você esse modesto relato de um homem que tinha vergonha na cara e que deixou a mim esse bom exemplo de honestidade.