ESCRITOS DE JOAQUIM SÍLVIO CALDAS

Escritor, cronista e apaixonado por Natal
RN

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terça-feira, 5 de janeiro de 2010

O coronel Gumercindo


Acho que somente os do Recife do meu tempo relembram a figura. Coronel da polícia, morava no bairro do Cordeiro, na década de 50. Tinha fama de brabo, mas de fato era homem cordato, o que não dispensaria logicamente a coragem, quando necessária. Fui moleque de rua com seu único filho, de mesmo nome, que integrou o primeiro quadro de policiais militares da nova capital, nos idos de sessenta.

Lembrei-me do coronel por conta da pérola do procurador Kerubino Procópio, transcrita na Cena Urbana do cronista maior, no Jornal de Hoje de 26 de dezembro passado.

Quanto a peça de Kerubino, é de ser lida, relida e guardada de lembrança e de exemplo, não só pelo já tão reconhecido estilo literário, mas pela lição que encerra a respeito do momentoso e ao mesmo tempo antigo tema – a corrupção.

Em frente à casa do coronel Gumercindo residia um grande amigo meu, Walkmar que, estando com a vaga da garagem ocupada pelo carro da própria filha, foi dormir e estacionou o carro em frente ao portão, mesmo porque naquele tempo Recife era uma cidade pacata e ladrões de carro, nem pensar.

Para tristeza sua, no dia seguinte, ao tomar o automóvel para dirigir-se para o trabalho Walkmar encheu-se de tristeza. Seu carro, recentemente adquirido, sofrera uma batida justamente na porta do motorista e no pára-choque dianteiro. Não adiantava nem perguntar se alguém vira, pois ainda era cedo e a rua Gregório Júnior era àquela altura um deserto.

Conformado, deixou o carro para consertar na oficina do sargento Amaro (também da polícia), de quem era praticamente vizinho, pegou o bonde e foi para o trabalho.

À noitinha, ao regressar, logo bateu palmas à frente de sua casa o coronel Gumercindo.

Surpreso com a visita (pois mal se cumprimentavam), o coronel foi logo perguntando.

- Walkmar, soube que bateram no seu carrinho, é verdade?

- É verdade, coronel, e o pior é que isso deve ter acontecido pela madrugada, ninguém sabe, ninguém viu.

- Pois eu sei quem foi Walkmar.

- Sabe mesmo, coronel?

- Sei, sim, quem bateu fui eu. Apenas era muito cedo quando me acordei, ainda escuro e não vi que seu carro estava estacionado em frente ao portão. Quando dei marcha ré bati no seu carro. Não lhe acordei porque estava com muita pressa para chegar ao quartel, pois havia uma missão importante para cumprir. Mas aqui estou para lhe pedir desculpas, coloque o carro para consertar na oficina de sua preferência e mande a conta para eu pagar.

Muito agradecido pela honestidade do coronel Walkmar sentiu-se agora confortável, apesar da batida, não tanto pelo salvamente do prejuízo, mas pela atitude honesta do vizinho, pois se não houvera a confissão ninguém jamais descobriria o autor do acidente.

Kerubino, dedico a você esse modesto relato de um homem que tinha vergonha na cara e que deixou a mim esse bom exemplo de honestidade.

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