ESCRITOS DE JOAQUIM SÍLVIO CALDAS

Escritor, cronista e apaixonado por Natal
RN

jsc-2@uol.com.br


terça-feira, 30 de março de 2010

Sexta-feira da Paixão de antigamente

Refiro-me à década de 1950. Morávamos no bairro da Torre, em Recife, na casa da minha santa avó. Minha mãe obedecia rigorosamente o jejum da sexta-feira. Só era permitido beber água.

Na nossa modestíssima despensa, pedaços de bacalhau e bandas de côco seco para distribuir com os mais pobres que costumavam naquele dia bater à nossa porta.

Por volta do meio-dia sentávamos à mesa e, antes do almoço meu pai escolhia um trecho da Bíblia e me mandava ler para os presentes. Morto de vergonha, cumpria timidamente a ordem paterna, que ordem de pai, naqueles tempos era para ser cumprida.

Passado o vexame da leitura os pratos chegavam fumegantes à mesa. Feijão, arroz, bredo, bacalhau e peixe – tudo de côco. Embora fosse ainda criança, mas meu prato era de adulto. Juntava a fome com a vontade de comer. Acho que meu pai não reclamava por compreender a justificativa do meu apetite, além da saborosa culinária da minha mãe e da minha avó.

Meu pai, naquele dia, dispensava a cerveja e servia a todos um vinho barato, sendo que para as crianças era servida uma sangria (vinho misturado com água e açúcar).

À noitinha normalmente nos dirigíamos à Igreja da Torre para assistir à Missa e em seguida para o jantar, onde nos reuníamos, como de costume. Em seguida, a conversa dos adultos na calçada e as brincadeiras de roda das crianças na rua.

No dia seguinte vinha o sábado de Aleluia: brincadeiras adultas de serra-velho, que algumas terminavam na delegacia de polícia, e o linchamento dos Judas, bonecos de pano que a rapaziada mais velha vestia nos bonecos manufaturados durante a semana para enforcá-los e torná-los em frangalhos, logo cedinho, ao lado do pau de sebo, brincadeira que meu pai estimulava pendurando ao mesmo uma cédula de cinco cruzeiros, bem novinha, para o moleque que conseguisse subir na madeira ensebada.

Porém hoje os tempos mudaram, e tudo ficou nos escaninhos da memória.

terça-feira, 23 de março de 2010

Muito obrigado, governadora

Muito obrigado, governadora




Agradeço, em nome da viúva e dos amigos de Tico da Costa à nossa governadora, professora Vilma de Farias, pela concessão de pensão especial à viúva daquele grande artista, exemplo de figura humana que muito honrou a cultura do nosso Estado, exportando-a para vários países da Europa, Estados Unidos, Canadá, Marrocos, América Central e do Sul.

As canções dele eram simples como ele mesmo. Reverenciavam as coisas da natureza e dos homens; a memória do pai, dos calafates de Areia Branca, o sol, o sal... Até os mosquitinhos faziam parte do seu universo poético.

Tico bem soube explorar os dons musicais e poéticos que Deus lhe deu; mas sobretudo era um exemplo de homem bom, filho, marido, pai exemplar e amigo dos amigos.

Aliás, o Procurador do Estado, doutor José Antônio Pereira Rodrigues em seu bem posto e ilustrado Parecer bem soube destacar as virtudes do reconhecido artista, remetendo à nossa governadora a justeza da referida concessão.

Nossa governadora, outrossim, num ato da mais prestimosa justiça, não titubeou diante da sensibilidade do douto Parecer e na quarta-feira passada, diante dos familiares e amigos de Tico da Costa proveu através de Decreto à viúva e seus filhos com a aludida pensão. Ato, portanto de justiça, reconhecimento e gratidão pelo que Tico da Costa em vida representou para nosso Estado, em termos artístico-cultural e como cidadão de bem.

Na ocasião, após uma apresentação dos fatos mais relevantes da trajetória do Tico da Costa, o ato prosseguiu com a assinatura do decreto que concedeu a referida pensão, e logo a seguir dois artistas de reconhecido prestígio no círculo artístico potiguar lhe renderam mais uma homenagem musical, com “A Redinha”, canção que prestigia uma das praias mais representativas da nossa cidade, cantada pelo irmão do Tico, João Salinas, também músico e compositor; e “Estrelas, estrelas”, por Sérgio Farias, gerando um momento de particular emoção entre os presentes. A viúva do Tico da Costa deu, então, continuidade a cerimônia manifestando que a palavra gratidão “ficava curta” para o tamanho agradecimento que ela desejava expressar, em seu nome e dos filhos ali presentes, pelo reconhecimento de mais de 40 anos de uma dura batalha do Tico da Costa no exterior e no Brasil, que ela testemunhou do seu lado, ao longo de 30 anos de vida conjugal. Acrescentou que ele era um homem muito completo: como artista, ao mesmo tempo que era tão brasileiro, tão nordestino e tão areia-branquense de nascimento e de coração, era um homem universal que bebia das suas raízes e as transcendia criando pontes com outras culturas, como a americana, a européia; com outras artes como a pintura, a poesia, a dança, a coreografia, o folclore, como homem, entregue e atento a todos, muito humano, independentemente da sua classe social, cultura, origem; enfim, diversas faces do trabalho musical e do homem que foi o Tico, que ela continuará a propagar aqui, no Brasil e no exterior nos próximos anos.

Finalmente, dando encerramento a este ato solene, a Governadora Vilma agradeceu este momento “especial, simples mas da maior importância” para ela, à viúva e aos filhos do Tico da Costa, afirmando que fez justiça com quem divulgou o nosso Estado, as suas riquezas e belezas pelo mundo afora” no marco da Lei Complementar nº 07, de 23 de outubro de 1974, modificada pela Lei Complementar nº 75, de 8 de dezembro de 1989, e passou a agradecer a cada um dos ilustres participantes da mesa: Dr. Diógenes da Cunha Lima (Presidente da Academia Norte Rio-grandense de Letras), Ministro Fausto de Medeiros (do Tribunal Superior do Trabalho e primo do Tico), Deputado Nelson Freire (também mú sico compositor), Dr. Odúlio Botelho (da Associação dos Procuradores do Estado do RN), Dorian Gray (em representação da classe artística), Leide Câmara (pesquisadora e historiadora da música do RN), Dr. Adalberto Targino (Presidente da Academia de Letras Jurídicas Norte Riograndense), assim como a todos os que contribuíram para a concretização desta homenagem especial.

sábado, 20 de março de 2010

O pai de

O pai de Maria




O pai de Maria está completando 90 anos. Lúcido e bem humorado. Semi-analfabeto e sábio. Filósofo, sem nunca ter freqüentado os bancos escolares. Humano, solidário, sincero, e honesto. Lutador teve a ousadia de deslocar-se na década de 1950 de Cuité, Paraíba, para Natal, pois sabia que os filhos só poderiam ter um futuro melhor do que o seu se tivesse chance de se educar. Dos quatro, três se formaram.

Sempre apoiado pela esposa, Rosa Azevedo Araújo vieram, pois morar no Alecrim, na Avenida Um e dedicaram-se ao comércio, com um “Caldo de Cana” e posteriormente fabricando doce caseiro, atividade que mantêm até a presente data.

No dia 12, próximo passado os quatro filhos, treze netos, nove bisnetos, demais familiares e pessoas amigas, comemoraram seu aniversário com uma missa em ação de graças, na Igreja Santo Antônio e ajoelhando-se diante do Santíssimo ele falou: - “Senhor estou aqui para agradecer por minha vida e de toda a minha família”. Exemplo de gratidão e fé para a sua posteridade.

Ninguém que visite a casa do pai de Maria sai de lá sem tomar o cafezinho que ele mesmo faz questão de fazer e servir.

- Meu filho – diz de um modo geral – jamais deixe que ninguém segure sua munheca. A frase é típica dele, e diz mais que certos tratados de psicologia.

Ah, o pai de Maria é o meu querido amigo, o velho Josias Paulino de Araújo. E posso resumir sua biografia numa única frase: Um homem de bem.

Parabéns, Josias, graças a Deus existe na terra homens como você!

quinta-feira, 11 de março de 2010

Trotes - boas lembranças

Trotes – boas lembranças




Autor: Sílvio Caldas (jsc-2@uol.com.br)



O JH publicou na semana que passou um excelente editorial sob o título “Chega de trotes sem graça”, destacando o mau gosto dos veteranos que impõem aos “feras” a humilhante e ao mesmo tempo ridícula tarefa de mendigar moedas nas principais artérias viárias da nossa cidade, atrapalhando inclusive o já tão atrapalhado trânsito. A falta de criatividade é tanto que serve apenas para revelar o que há de despreparo por trás de alguns veteranos. Ainda bem que vale ressaltar outros trotes que promovem ações sociais, o que é bem diferente.

A mesma matéria, com muita propriedade lembra que assuntos mais sérios e de maior utilidade bem poderiam unir o útil a agradável. Daí, lembre-me de alguns trotes de que presenciei em Recife do meu tempo de estudante e que valia a pena não apenas participar, mas apreciar, pelo seu bom gosto no geral, criatividade e senso de oportunidade.

Num deles, e fazendo referência a um cerco que os militares do Exército promoveram na então vizinha Faculdade de Direito, no Parque 13 de Maio, a mando do então presidente da República, Jânio Quadros, a turma de engenharia construiu um arremedo de tanque de guerra, arrastado pelos próprios feras, querendo simbolizar a ação dos militares meses antes.

Sem violência e com o devido aviso às lideranças do trote, o então comandante da Sétima Região Militar simplesmente devolveu a brincadeira enviando para confronto um tanque “de verdade” que, após espantar os estudantes, simplesmente passou por cima do tanque de fantasia, destruindo-o totalmente. O trote continuou, a marcha estudantil prosseguiu e retomou a estrepitosa batucada, dirigindo-se com dois carros alegóricos rumo ao palácio do governo, que ficava logo após a travessia da ponte sobre o rio Capibaribe. Era governador na época o general Osvaldo Cordeiro de Farias, que tinha fama de jogar baralho nas horas vagas.

Pois bem, um dos carros alegóricos transportava justamente cinco estudantes que fingiam estar sentados numa mesa, jogando baralho, devidamente portando fraques e cartolas, para lembrar claramente a alusão às autoridades que participavam do jogo.

Ao passaram em frente ao palácio do Campo das Princesas, sede do palácio do governo, lá estava, na sacada do prédio, o governador em pessoa, assistindo bem humorado o desfile. Quem viveu aqueles idos pode bem testemunhar esse meu depoimento. O trote seguiu livremente sua alegre caminhada, na mais perfeita paz e bagunça estudantil.

Nenhum estudante, naquele tempo morria afogado em piscina, nem era obrigado a pedir esmolas nos pontos de ônibus. O máximo que se permitia era raspar a cabeça dos rapazes, sendo que às moças era concedido o devido respeito. E mais: os próprios familiares dos estudantes participavam literalmente do trote, fornecendo-lhes água, lanches, tudo na mais perfeita harmonia e respeito.

Enfim, são tantos os assuntos que poderiam alegrar os trotes de hoje em dia que dá até pena a falta de criatividade de alguns bobos.

Trotes - boas lembranças

Trotes – boas lembranças




Autor: Sílvio Caldas (jsc-2@uol.com.br)



O JH publicou na semana que passou um excelente editorial sob o título “Chega de trotes sem graça”, destacando o mau gosto dos veteranos que impõem aos “feras” a humilhante e ao mesmo tempo ridícula tarefa de mendigar moedas nas principais artérias viárias da nossa cidade, atrapalhando inclusive o já tão atrapalhado trânsito. A falta de criatividade é tanto que serve apenas para revelar o que há de despreparo por trás de alguns veteranos. Ainda bem que vale ressaltar outros trotes que promovem ações sociais, o que é bem diferente.

A mesma matéria, com muita propriedade lembra que assuntos mais sérios e de maior utilidade bem poderiam unir o útil a agradável. Daí, lembre-me de alguns trotes de que presenciei em Recife do meu tempo de estudante e que valia a pena não apenas participar, mas apreciar, pelo seu bom gosto no geral, criatividade e senso de oportunidade.

Num deles, e fazendo referência a um cerco que os militares do Exército promoveram na então vizinha Faculdade de Direito, no Parque 13 de Maio, a mando do então presidente da República, Jânio Quadros, a turma de engenharia construiu um arremedo de tanque de guerra, arrastado pelos próprios feras, querendo simbolizar a ação dos militares meses antes.

Sem violência e com o devido aviso às lideranças do trote, o então comandante da Sétima Região Militar simplesmente devolveu a brincadeira enviando para confronto um tanque “de verdade” que, após espantar os estudantes, simplesmente passou por cima do tanque de fantasia, destruindo-o totalmente. O trote continuou, a marcha estudantil prosseguiu e retomou a estrepitosa batucada, dirigindo-se com dois carros alegóricos rumo ao palácio do governo, que ficava logo após a travessia da ponte sobre o rio Capibaribe. Era governador na época o general Osvaldo Cordeiro de Farias, que tinha fama de jogar baralho nas horas vagas.

Pois bem, um dos carros alegóricos transportava justamente cinco estudantes que fingiam estar sentados numa mesa, jogando baralho, devidamente portando fraques e cartolas, para lembrar claramente a alusão às autoridades que participavam do jogo.

Ao passaram em frente ao palácio do Campo das Princesas, sede do palácio do governo, lá estava, na sacada do prédio, o governador em pessoa, assistindo bem humorado o desfile. Quem viveu aqueles idos pode bem testemunhar esse meu depoimento. O trote seguiu livremente sua alegre caminhada, na mais perfeita paz e bagunça estudantil.

Nenhum estudante, naquele tempo morria afogado em piscina, nem era obrigado a pedir esmolas nos pontos de ônibus. O máximo que se permitia era raspar a cabeça dos rapazes, sendo que às moças era concedido o devido respeito. E mais: os próprios familiares dos estudantes participavam literalmente do trote, fornecendo-lhes água, lanches, tudo na mais perfeita harmonia e respeito.

Enfim, são tantos os assuntos que poderiam alegrar os trotes de hoje em dia que dá até pena a falta de criatividade de alguns bobos.

domingo, 7 de março de 2010

Queiroz e Janete - o amor continua

Queiroz e Janete – o amor continua




O mundo está cheio de notícias e de lugares comuns. Guerras, terremotos, escândalos de toda natureza. No particular, isto é, no universo de cada um de nós também muitas coisas acontecem. Alegrias, tristezas, preocupações, vitórias, derrotas, sucessos, fracassos. Tudo faz parte da natureza humana. Nascimentos e mortes fazem parte do nosso cotidiano. Não há como escapar dessa mistura de sentimentos.

Amor, saudade, nostalgia, angústia, tudo isso envolve a natureza humana. Nossa memória registra tudo, desde o nascimento até a morte.

É indizível a alegria do nascimento de um filho; também a conquista da mulher ou do homem amado; o primeiro beijo; o primeiro amor; o segundo amor. Tudo que nos traz boas recordações e nos lembra a vez primeira é prazeroso e inesquecível. Enfim, tudo que foi bom vira saudade. Até os momentos mais dolorosos, como a perda de um ente querido.

O importante, creio eu, é que saibamos distinguir o verdadeiro e duradouro prazer das coisas importantes que acontecem na nossa vida, pois são essas coisas que nos tornam verdadeiramente felizes, independentemente dos bens materiais que venhamos a amealhar em vida. Não é preciso ser rico para ser feliz. Para ser feliz, não precisa ter, basta ser.

Bem, já passa da meia noite, hoje é 7 de março e não sei se o que escrevi até agora vale a pena. Mas uma coisa, tenho certeza que vale a pena: festejar, admirar, reverenciar, aplaudir e refletir no exemplo de vida de uma união sexagenária como a que Queiroz e Janete vão festejar no próximo dia 10 de março. Pena que eu, que testemunhei o casamento, as bodas de prata e as bodas de ouro não possa, por dever do meu ofício, estar materialmente presente a essa festa. Aliás, nem eu nem Jair. Coisas da vida.

segunda-feira, 1 de março de 2010

O caso de João Hélio

O caso João Hélio

Lembram-se? Refiro-me àquela criança de seis anos que morreu enroscado no cinto de segurança e que foi arrastado por 7 km no asfalto, pelos bandidos que assaltaram e levaram o carro em que o mesmo era transportado pela mãe, no Rio de Janeiro, em 2007.

Pois bem, Ezequiel, que era o chefe do bando, não respondeu pelo homicídio porque era menor de idade. Passou três anos internado com menores infratores e agora, aos 19 anos, foi liberado, sendo apenas obrigado a dormir nas unidades de internação, mas terá o dia livre para ousar o que quiser. E como recebeu ameaça de outros menores, nós contribuintes vamos protegê-lo incluindo-o no Programa de Proteção à Criança e ao Adolescente “Ameaçados de Morte”. E mais, poderá ganhar uma nova identidade e até receber um salariozinho para se manter até os 21 anos. Fonte: Revista Veja de 24 de fevereiro passado.

Legislação moderna – melhor – ultra moderna, para um país que busca criar pesos, mas que se esquece de criar os contra-pesos.

Sabem a Previdência Social, que se diz falida e que tanto maltrata nossos aposentados que contribuíram pela vida a fora? Pois ela também colabora com a família dos presidiários, desde que atendam a certas condições, bem explicadas no site http://www.previdenciasocial.gov.br/imprimir.php?id=22. Portanto, se você é bandido, está preso e se enquadra nos benefícios ali oferecidos, não se preocupe, sua família estará devidamente protegida com salários (?) que podem atingir até R$ 798,30 (Portaria 350, de 30.12.2009)

Não duvido da boa intenção do legislador, nem de inspiradores de tão brilhantes idéias. Todavia, precisamos refletir mais em relação ao projeto de nação que estamos construindo.

O que dizer a essa altura, às famílias das vítimas? Como explicar à mãe de João Hélio que o frio assassino do seu filho está em liberdade e recebendo proteção e salário do Estado? Fica difícil! Cada um que se coloque no lugar desses familiares da vítima!